Meu destino desfocado

Meu destino desfocado
América Latina

segunda-feira, 4 de abril de 2011


Não sei quem teve a brilhante idéia de nomear essa província argentina de Tierra Del Fuego. Vi neve, chuva e  muito muito muito vento, mas fogo, só na cozinha.
Estar viajando por aqui pegando carona tem sido um teste de paciência e resistência. Em geral conseguimos carona sem ter de esperar mais de uma hora e tivemos muita sorte de termos pegado carona com pessoas bacanas.
Esse final de semana, no entanto, a espera foi um pouco mais longa.
Saímos de Ushuaia na manhã de sábado e esperamos nada mais que 20 minutos na saída da cidade (que, por sinal, tem uns quadros horrorosos na entrada).


                                                              

 Um casal com uma filha de seus 7 anos nos levou até Tolhuin, cidade conhecida como o Coração da Patagônia. Por algum motivo geológico a terra pulsa, como tremores mínimos, que as pessoas não sentem mas que se pode notar se você coloca um objeto sobre uma mesa, pois em algumas horas o objeto está em algum outro ponto desta.
Descemos num posto de gasolina, comemos alguma coisa e fomos para a beira da estrada esperar que alguém nos levasse até a fronteira com o Chile, pois nosso destino era Punta Arenas.
Fazia um pouco de frio, mas eu estava bem agasalhada. O agasalho não protege, porém, da impaciência, e depois de uma hora e meia sem que os carros que passavam nem nos dessem bola, fui ficando desanimada e tive vontade de dormir em Tolhuin.
Hacendo dedos en Tolhuin
Mathieu é uma boa companhia e tem sido ótimo viajar com ele. Na semana anterior, quando ficamos duas horas esperando na fronteira do Chile, ele pensou em voltar a Rio Gallegos para passar a noite, pois havia perdido as esperanças de conseguir uma carona naquele dia. O meu conhecido otimismo nos manteve na fronteira por mais algum tempo, até que o Honda nos levasse. Dessa vez foi a vez dele me pôr pra cima e resgatar meu otimismo.                               
Eu já estava escutando música, que geralmente me acalma, mas passadas as duas horas ao relento nem João Gilberto me acalmava mais. Ele  começou a pular pra se aquecer e a fazer graça, e entrei na dele. Ele me ensinou algumas coisas em francês (o que nos rendeu boas gargalhadas, pois,segundo ele, meu sotaque é muito puxado, e sempre adoto uma postura chic quando me ponho a falar qualquer coisa em francês). Ele pegou o violão e começou a inventar um reggaeton (que é tipo funk daqui), e nos distraímos até que o caminhoneiro Hugo nos levasse até Rio Grande.
Hugo seguiria até depois da fronteira, mas decidimos não ir com ele porque iríamos chegar tarde no Chile, não tínhamos pesos chilenos e nos preocupamos em demorar pra conseguir uma carona da fronteira até Punta Arenas. Assim, dormimos na incrível cidade de Rio Grande.

O patriotismo riograndense


Rio Grande é a pior cidade onde estive até agora, mas a cidade me deseja. No domingo saímos às 11 horas do albergue e caminhamos por uns 45 minutos até a saída da cidade. Lá, onde ventava como nunca vi antes, ficamos esperando por quase 4 horas.
Eu estava com uma jaqueta e um casaco de couro, e no corpo não sentia frio. Mas o meu rosto parecia ser cortado pelo vento, que – sem brincadeira- jogava meu corpo (com a mochila de seus 1 quilos) prum lado e pro outro enquanto eu caminhava. O jeito foi colocar o cachecol ao redor da minha cabeça, cobrindo meu rosto, deixando só meus olhos (protegidos do vento pelos óculos) de fora.
Não poder mostrar meu sorriso para os motoristas deve ter sido o motivo de não termos conseguido carona nenhuma. Vários motoristas passaram e fizeram sinais com as mãos, indicando que ficariam na cidade (estamos aprendendo a interpretar sinais de motoristas), e uma loirinha jovem adulta sentada no banco de passageiro fez um “não não” com as mãos, rindo da nossa cara, o que fez que eu mostrasse um dedo que eu há mais de década não mostrava a ninguém. Ah, tem dó. 3 horas no vento e ter que aturar quieta desrespeito daquela boluda? Não, não. A reação foi imediata e do fundo do coração (se é que do coração pode sair uma coisa dessas).
Assumo que fomos um pouco boludos de não termos planejado nossas caronas. Domingo definitivamente não é dia de pegar carona, porque há menos movimento e quase nenhum caminhão. O jeito foi voltar à amada Rio Grande.
Ficamos algumas horas num posto nos aquecendo, comemos, e tivemos o grande prazer de encontrar um casal ítalo-português que estava no mesmo albergue que nós em Ushuaia. Máximo e Margarida tinham acabado de chegar de Ushuaia, conversaram um pouco conosco e do posto mesmo (que não era na saída da cidade) resolveram tentar carona pra Punta Arenas. Nos despedimos e em 5 minutos vimos os dois entrando num carro.
Nós estávamos fadados a agüentar mais algumas horas de vento naquela cidade. Se Río Grande fosse uma cidade interessante, o vento seria apenas um inconveniente, mas a cidade é um saco, cara, não tem nada pra fazer e ainda por cima em cada esquina tem uma placa ou um carro com a frase “Las Malvinas son Argentinas”, o que é engraçado e cansa um pouco.
Voltamos ao mesmo albergue (o único que há na cidade, aparentemente), e decidimos compensar os infortúnios do dia com o prazer do paladar.
Eu no posto já havia devorado um hambúrguer com presunto e ovo, e para aquela noite compramos duas garrafas de vinho (continuo sem comer doce, pela minha promessa). Como não beber não foi promessa, apenas mudança de hábito, decidi abrir uma exceção e bebi uma garrafa de vinho sozinha. Não tive ressaca (pois bebi água enquanto bebia vinho), mas meu corpo obviamente não gostou da mistureba de ontem.


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