Poderia dizer que nessa vida já fiz muitas coisas que não pensava capaz de fazer. Para ser mais precisa, nos últimos 4 anos tenho experimentado coisas que me provam, dia a dia, que tenho capacidade para fazer tudo que queira, e habilidade, se ainda não a tenho, adquiro com o tempo.
Assim, desde cuidar de uma criança de 3 anos durante um ano a fazer trekking até o Pico das Prateleiras, sei que sou uma possibilidade (lema de minha orientadora da Meta Real, Roseli Masi).
Hoje precisei lembrar disso, pois às vezes as coisas não saem como planejadas.
Depois de descansar um dia em Puerto Natales, fomos, Mathieu e eu, a Torres del Paine. Havíamos combinado com os dois holandeses de passar 5 dias no Parque Nacional, onde faríamos o circuito W, acamparíamos e desfrutaríamos de uma paisagem incrível e muito contato com a natureza.
Seria minha primeira vez acampando na natureza quase virgem. Não ficaríamos em acampamento, propriamente dito, mas em áreas do parque reservadas a camping, sem eletricidade, com água só do rio e sem a mordomia de mercearias por perto.
Assim, no dia anterior à nossa partida, comprei mantimentos para 5 dias. Como não estou comendo carne e tenho consciência da importência da proteína para o corpo, sobretudo quando se faz muito esforço físico, fiz uma breve pesquisa na internet e comprei alguns enlatados, como lentilhas, feijões e atum, além de queijo e leite em pó.
Pensara muito bem no menu para os 5 dias. 3 refeições completas por dia, com frutas e legumes, dando atenção a alimentos energéticos (nada de chocolate, por conta da minha promessa).
Aluguei uma calça de montanhismo grossa e um saco de dormir para -15 graus, já que o meu não aguenta tanto frio. Também compramos gás para cozinhar e alugamos uma cocinilla (boca de fogão que se liga ao gás)
Eu estava muito bem preparada para os 5 dias de trekking, mas o Zeca estava pesando uns 18 quilos, ainda que tenha deixado tudo que não precisaria no hostel.
Pegamos um ônibus de manhã e os holandeses não vieram conosco porque Ger acordou doente.
Chegamos ao parque por volta das 10:30 da manhã, pagamos a salgada tarifa de 15 mil pesos chilenos (R$ 50,90) e começamos nossa caminhada. Caminhamos duas horas sem parar, numa superfície ainda plana, pela estrada que vai da entrada de LagunaAmarga até o Hotel Las Torres. 20 minutos de almoço e descanso, e seguimos.
Depois do almoço começamos, então, a subida da montanha até a área onde é permitido acampar. Meu condicionamento físico não é dos melhores, e com aquele peso todo nas costas foi complicado eu manter o otimismo e o pensamento positivo. A todo momento pensava em voltar, em desistir, mas sabia que valeria a pena.
Mathieu, apesar de fumar há muitos anos, tem um fôlego e um ritmo ótimo. Foi subindo na minha frente e nos encontrávamos em algum lugar para descansar por uns instantes. Eu subia 500 metros e parava, com o coração acelerado.
A paisagem era incrível. Lagos verdes e montanhas elegantemente colocadas ao redor, com neve nos topos e cachoeiras descendo montanha abaixo, para deleite daqueles que se aventuram a subir 9 quilómetros. Era meu consolo.
A certa altura encontrei o casal de Madri que nos dera carona no parque em Ushuaia, e a mulher, já cerca de seus 60 anos, ao perguntar se eu ia até o mirador, me disse para ter cuidado mais acima, pois havia um ponto onde ventava muito, ao lado de um precipício.
Eu poderia ter dormido sem aquela. Eu já sou cagoninha com cair no chão, imagine o meu pavor quando pensava em cair precipício abaixo! Me veio uma ansiedade de ver logo onde estava a parte com tanto vento, e esperava que a mulher estivesse exagerando.
Ela não estava.
Depois de muito esforço cheguei à parte onde o vento faz a curva. Em alguns pontos tive que parar de caminhar e fixar bem meus pés no chão, porque se seguisse caminhando era capaz que o vento me levasse a um lugar sem minha permissão.
Foto meramente ilustrativa :P |
Logo vi um casal de alemães na minha frente, com um bebê nas costas. A mãe carregava o bebê e a ouvi dizendo carinhosamente : "Augen zu... und schlafen..." (Olhos fechados... e dormir). O bebê, que devia ter pouco mais de um ano, não dava nem um pio.
Eu já conhecia esse hábitos de alemães de levar crianças pra fazer montanhismo. O casal parecia bem tranquilo mesmo com o vento, então pensei que talvez o meu pavor não tivesse tanta razão de ser. Me acalmei, concentrei, orei e passei por aquele ponto sem cair no precipício.
Essa segunda caminhada levei 3 horas e meia para completar. Fui devagar porque me doía as costas e a subida foi um pouco puxada pra mim.
Chegamos ao local onde íamos acampar e montamos a barraca. Nada de banho, pois só havia a água congelante do rio e nosso gás não daria para esquentar água para todos os dias. Montamos a barraca e logo deitamos quentinhos nos sacos de dormir, onde descansamos até a fome bater.
Eu queria me ver livre das latas, então na nossa primeira refeição fizemos um arroz com lentilhas, que ficou uma delícia.
Dormimos às 9 da noite, pois no dia seguinte queríamos acordar cedinho para ver o nascer do sol nas Torres, que estavam a 45 minutos (de subida, para mim 1 hora e pouco) do acampamento.
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