Então hoje era o dia de ir ao Parque.
Tinha planejado pegar o ônibus as 11. Levantei às 9, embora já estivesse desperta desde as 8 e pouco.
Fiquei enrolando na cama, sem vontade de levantar, e tive que entar em acordo com a minha mente para sair da cama e aproveitar o tempo que estou aqui:
- você pode dormir depois, lhe convenci.
Pois bem. Levantei, tomei meu café, e fui até a rodoviária com Rachel, a americana que estava hospedada aqui também. Ela voltaria a Valparaíso, onde estuda literatura, essa manhã.
Fomos à rodoviária e às 11, conforme planejado, me despedi dela e peguei um ônibus até o Parque Nacional.
A viagem durou pouco mais de uma hora. Ao longo do caminho fui sentindo frio. Havia neblina e começava a garoar. Sabe aquela garoa que dura o dia inteiro?
No ônibus havia um grupo de garotos (falantes de espanhol, não sei de que país), e um casal de alemães que estavam no Navimag. Todos eles desceram um pouco antes da entrada do parque para procurar alojamento, pois iam ficar mais de um dia pelo parque. Eu, como só fui passar o dia, não desci pra procurar alojamento. Restamos eu e um casal de idosos, que moravam um pouco adiante. Quando o casal desceu e só sobrei eu no ônibus, perguntei ao motorista se ali era a última parada. Ele me perguntou onde eu iria descer, e eu disse que na entrada do parque.
Ele, surpreso, disse que a entrada do parque era onde tinham descido os meninos e o casal, e que havia avisado.
Provavelmente foi verdade. Eu estava muito entretida com meu caderno de anotações e com João Gilberto cantando ao meu ouvido que não me dei conta.
De qualquer maneira, ele disse que não havia problema. Para eu continuar ali, que logo voltaria pelo mesmo caminho, e que eu podia descer na volta.
Continuei, tirei o Ipod e enquanto o ônibus rodava, eu me entretia com a paisagem.
Era uma zona bem rural. Porcos, galinhas, ovelhas e vacas por toda parte, mas podia ver a praia- e o oceano Pacífico.
O ônibus parava hora ou outra para levantar as pessoas que iam a Castro, e à medida que entravam pessoas no ônibus eu observava seus gestos e sorrisos.
Uma coisa que tem chamado minha atenção aqui é o sorriso das pessoas. Longe der ser um sorriso colgate (pois a cor e a quantidade de dentes às vezes não são conforme a propaganda), o povo aqui sorri todo o tempo.
Já havia observado isso nas ruas. Sabe aquele tipo de gente que além de sorrir com a boca sorri com os olhos. Um sorriso sincero que vem da alma?
Achei as pessoas aqui em Chiloe muito simpáticas.
Então estava eu dentro do ônibus e observava os chilotes sorridentes entrando no ônibus. De repente notei uma placa de entrada no parque e pensei:
"Ah, é aqui que tenho que descer".
E foi um pensamento que não alterou a minha atitude.
Continuei no ônibus, fazendo o caminho de volta a Castro, sem descer.
O ônibus foi enchendo e vi uma criança de uns dois anos de idade cujo sorriso me fez sorrir, e valeu meu dia.
Notando que havia perdido a entrada do parque, não quis me mexer. Eu estava com um pouco de frio e não muito disposta a caminhar, por isso não levantei o meu bumbum da cadeira até chegar à praça central de Castro, depois de quase 3 horas num ônibus.
No entanto, o clima me presenteou boas paisagens e algumas fotos que compartilho abaixo.
Eu já deixei de acreditar no acaso há algum tempo. Se há dois dias eu planejava ir ao Parque e mesmo tengo chegado à porta não desci, é porque não tinha nada pra fazer ali- ou era melhor que eu não fosse. Não preciso saber por quê.
Cheguei em Castro por volta das 14:30 e quis almoçar. Ao lado do meu hostel há um outro, onde há um comedor (refeitório), e Carlos, o coziheiro e dono do hostel, prepara pratos deliciosos.
Juro que fazia tempo que eu não tinha tanto prazer comendo alguma coisa.
Eu comi coisas gostosas ao longo da minha viagem. Anteontem mesmo almocei no mesmo lugar, comi um macarrão com molho de frutos do mar que estava muito bom. Mas no meu almoço de hoje me escaparam -não um- mas alguns gemidos de prazer.
O prato? Salmão com batatas salpicadas com ervas finas.
Não sei o que foi. Estava tudo perfeito. A consistência do salmão, a temperatura, as batatas, e o alecrim! Ai, que eu quase morri com a combinação de alecrim, batata e salmão.
Sim, já havia comido isso antes, mas hoje realmente entrei em êxtase.
"Nossa", pensarão os desavisados, "comendo salmão mesmo mochilando! deve estar bem de grana".
Não se enganem. Paguei 2.000 pesos chilenos em um prato desse, mais sopa de vegetais e suco.
Quanto são 2 mil pesos? Menos de 7 reais! Oh, yeah!!!
Paguei a conta e de quebra Carlos me convidou a tomar um vinho à noite.
Pouco antes das 10 desci e fui tomar o vinho e conversar com esse chileno de 37 anos, formado em gastronomia e hoje dono do hostel. Ele viveu na Suécia, pois quando tinha 12 anos seus pais, comunistas, foram exilados do Chile. Voltou à terra natal, mas saiu de Santiago para buscar uma vida mas em paz, mais pacata, e foi muito claro ao dizer que aqui é feliz. É lindo escutar isso.
Estive quase duas horas conversando com ele, bebemos um pouco e falamos sobre o Chile e o Brasil. Ele me fez quebrar minha promessa, ao me oferecer bombons artesanais chilotes, recheados de frutas silvestres, que já havia recusado no almoço, mas que agora não pude resistir.
Agora vou dormir e amanhã sigo a Puerto Varas, onde vou ficar na casa de um argentino que está criando uma organização social. Não coincidentemente - porque essas coisas não existem- , Mathieu (meu companheiro de caronas) o conheceu e disse que o cara é super gente boa.
Se o mundo é pequeno, o couchsurfing é uma pulga.